AS FALHAS DA CLT NO SITE DO PLANALTO

01. GORJETA

O art. 457 da CLT sofreu diversas alterações desde o seu nascimento em 1943, seja pela Lei 1.999/1953, seja pelo Decreto-lei 229/1967. Mas a grande mudança foi concretizada pelas mãos da Lei 13.419/2017, com vigência a partir do dia 12/05/2017, que alterou a redação do § 3º e inseriu os §§ 4º a 11, regulamentando, detalhadamente, a verba denominada “gorjeta”.

A Reforma Trabalhista, que brotou da Lei 13.467/2017, com vigência a partir do dia 11/11/2017, apenas alterou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 457 da CLT, em nada afetando a normatização da gorjeta. Porém, no dia 14/11/2017 surgiu a Medida Provisória 808, incluindo, sem qualquer ressalva, os §§ 12 a 23 ao art. 457 da CLT.

Parece mentira, mas a MP 808/2017 inseriu doze novos parágrafos ao artigo 457 da CLT, sendo que os dez primeiros (§§ 12 a 21) tratavam especificamente da gorjeta, os quais revogaram, à época, tacitamente, os §§ 5º a 11 do analisado artigo, pois passaram a regular inteiramente a matéria – argúcia do § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/1942).

A MP 808/2017, entretanto, não foi convertida em lei, dentro do prazo previsto no caput do art. 62 da CF, expirando no dia 23/04/2018.

A MP 808/2017, por conseguinte, caducou, ou seja, teve o seu prazo de vigência encerrado. Com isso, não tememos em afirmar que os §§ 12 a 23 do art. 457 da CLT perderam a sua eficácia e, consequentemente, os §§ 5º a 11 do art. 457 da CLT recuperaram a sua eficácia, ou seja, foram restaurados, numa espécie de repristinação.

A CLT que se encontra publicada no site do Planalto, portanto, está maculada por erro material, em face do vácuo oriundo dos §§ 5º a 11 do art. 457, os quais, inexplicavelmente, encontram-se “riscados” (www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm).

O § 3º do art. 62 da Constituição Federal dispõe que as medidas provisórias perderão a eficácia, desde a edição, ou seja, com efeitos ex tunc, se não forem convertidas em lei. No nosso caso, torna-se irrelevante o fato de o Congresso Nacional não ter disciplinado, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes, mormente pelo fato de os §§ 5º a 11 do art. 457 da CLT regularem a mesma matéria objeto dos findados §§ 12 a 21 do mesmo artigo, que sucumbiram junto com a MP 808/2017.

Os atos jurídicos praticados quando da vigência da falecida Medida Provisória, ante o silêncio do Congresso Nacional, ficam preservados, a uma pela incidência do princípio da boa-fé (tempus regit actum), a duas pela aplicação do § 11 do art. 62 da Constituição Federal.

Para finalizar, vale destacar que uma medida provisória nada mais é do que um “ato legislativo sob condição resolutiva”, já que a sua rejeição ou a sua não conversão em lei gera absoluta ineficácia, restaurando-se, com naturalidade pueril, o direito anterior.

02. MULTA DO ART. 467 DA CLT

O art. 467 da CLT foi contundentemente alterado pela Lei 10.272/2001, com vigência a partir do dia 05/09/2001, mas as mudanças afetaram apenas o seu caput, ou seja, não interferiram na vida do seu parágrafo único, o qual tinha sido inserido dez dias antes da vigência da referida Lei, especificamente pela Medida Provisória 2.180-35 de 24/08/2001.

Estranhamente, a CLT que se encontra no site do Planalto “apagou” o parágrafo único do art. 467 da CLT, em fulgente e grave equívoco, produzindo a sempre desaconselhável insegurança jurídica (www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm).

No meu livro Direito do Trabalho Sintetizado, quando de sua 1ª edição, já dizia o seguinte:

O parágrafo único do art. 467 da CLT continua vigendo, ao contrário do que alguns doutrinadores passaram a alardear. A Lei 10.272/2001, ao alterar a redação do caput do referido artigo, nada dispôs sobre a vigência de seu parágrafo único, incluído pela Medida Provisória 2.180-35, de 24.08.2001. O escopo da Lei 10.272/2001 foi o de modificar “a base de cálculo da sanção” e “o valor da multa” (antes a multa incidia apenas sobre os “salários” incontroversos e correspondia “ao dobro” do valor; hoje incide sobre “as verbas rescisórias” incontroversas e corresponde a “50%” do valor). Em momento algum o legislador desejou excluir a prerrogativa da Fazenda Pública, criada pela Medida Provisória, a qual ainda se encontra em tramitação no Congresso Nacional. (Gustavo Cisneiros – Direito do Trabalho Sintetizado – 1ª edição – Editora Forense – Grupo Gen – 2016). 


Diante disso, o parágrafo único do art. 467 da CLT continua com plena eficácia, visto que não foi, em momento algum, fulminado pela Lei 10.272/2001, seja expressa, seja tacitamente, porquanto, como alhures destacado, a referida Lei apenas alterou a base de cálculo da multa e o seu valor, silenciando a respeito do tema insculpido no parágrafo único (isenção da Fazenda Pública).O desembargador e brilhante doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite, em sua CLT Organizada, compartilha da nossa tese, expondo o seguinte: “A Lei 10.272, de 5-9-2001, ao alterar o caput deste artigo, nada dispôs sobre a vigência de seu parágrafo único” (Carlos Henrique Bezerra Leite – CLT Organizada – 2015 – Editora Saraiva – página 168).

O leitor talvez estranhe o fato de a Medida Provisória 2.180-35 datar do ano de 2001 e ainda se encontrar em vigor, mesmo não tendo sido convertida em lei, nem tampouco ter caducado, principalmente pelo fato de o § 3º do art. 62 da Constituição Federal estipular que as medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável por mais sessenta.

A inquietação, entretanto, não resiste à interpretação histórica.

Na época da edição da MP 2.180-35 ainda não tinha sido publicada a Emenda Constitucional 32/2001 (com vigência a partir do dia 11/09/2001), ou seja, não existia o § 3º do art. 62 da Lei Maior e, consequentemente, não havia o prazo máximo de cento e vinte dias (60 + 60).

Naquele tempo, as medidas provisórias tinham validade de trinta dias e podiam ser reeditadas por mais 30 dias, sem limite para reedição, até que fosse votada pelo Congresso. Como a MP 2.180-35 foi publicada antes da EC 32/2001, incidiu sobre aquela o art. 2º desta última, o qual dispõe: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. 

Considerando o fato de estarmos falando do site do Planalto, vale dizer que a MP 2.180-35 nele continua ativa, gozando de plena eficácia (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/218035.htm), o que torna ainda mais grave o “desaparecimento” do parágrafo único do art. 467 da CLT, cujo “sumiço” representa um flagelo da incongruência.

De outra banda, em rápida pesquisa no site da Câmara dos Deputados, encontramos, sobre a MP 2.180-35, a seguinte informação: Está em vigor por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 2001” (http://www2.camara.leg.br/busca/?wicket:interface=:2:1:::).

É isso. Apenas isso. Nada mais do que isso!

03. CONCLUSÃO 

A CLT que hoje consta no site do Planalto precisa ser urgentemente alterada, porque os seus equívocos vêm afetando a vida dos advogados, dos procuradores, dos magistrados, dos estudantes e todos aqueles que lidam com o direito do trabalho e o direito processual do trabalho.

Os §§ 5º a 11 do art. 457 da CLT devem ser imediatamente restaurados no site, para que a estabilidade jurídica volte a sombrear as relações de trabalho marcadas pelo pagamento de gorjetas.

O parágrafo único do art. 467 da CLT também deve ser prontamente devolvido ao corpo da Legislação Consolidada, e, naturalmente, mantido até ulterior deliberação legislativa, para que não reste dúvida a respeito da isenção da multa em relação às pessoas jurídicas de direito público. 

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